Família

Há um ano atrás o meu pai faleceu. Sem pré-aviso. Sem preparar ninguém para a terrível perda que causou na minha vida. Lembro-me como se fosse ontem do telefonema que recebi, ainda a dormir, da minha irmã a dar-me a triste notícia. Lembro-me como se fosse ontem de como despertei instantaneamente e de como adormeci no tempo a partir desse segundo até há poucos meses atrás.
Apesar de ser a filha mais nova e possuir uma enorme diferença de idades entre os meus pais, caso que durante anos a fio se tornou num problema para mim, nunca me tinha ocorrido que um dia iriam partir sem ver o seu legado completo. Sem ver o resultado do trabalho de anos consecutivos sem férias, sem paragens, sem descanso (como tantas vezes ouvi a minha mãe lamentar por essa falha, embora acredite que ela não conseguisse parar...). Nunca me tinha ocorrido que iriam passar pela terrível dor de assistir ao sofrimento e à luta pela vida de um filho. Nunca me tinha ocorrido que iria haver muita gente na minha vida que nunca iriam chegar a conhecer... Inclusive os meus filhos, se algum dia os tiver.
Ouço os meus irmãos falar das grandes dificuldades pelas quais passaram. Comparativamente a eles, fui uma rainha. Contudo, em relação à malta da minha idade, muita coisa me passou ao lado. Mas não a formação. Pessoal e profissional. Esta riqueza, ninguém nos tira... A felicidade de sermos pessoas íntegras em qualquer parte do mundo (sim, estamos por todo o mundo). Possuirmos identidade. Não nos diluirmos na multidão dos interesses e do que se acha politicamente correcto.
Sempre fomos incitados à independência. Sermos pessoas capazes na sua individualidade. Eu, pelo menos, senti-me sempre assim. Impelida para vencer, para ser a melhor. Porque já sendo a melhor em muita coisa nunca fui reconhecida por tal, imaginem se apenas fosse medíocre...
Nunca fomos habituados a exteriorizar os sentimentos. A mostrar que nos preocupamos, que gostamos, que amamos. Eu tive muita dificuldade em me acostumar a esta condição... Ainda hoje sinto que deveria ter dado muitos abraços e beijos mesmo quando os outros não os queriam.

Visivelmente os meus talentos e gostos musicais sempre foram desencorajados. Contudo, neste dia, apenas me vem à memória o facto de o meu pai ter guardado um programa de um festival diocesano no qual participei e acabei por ganhar. Ou o facto de ter feito uma moldura para o primeiro festival que ganhei com apenas 10 anos, quando a maior parte dos festivais aos quais concorri foram às escondidas, à revelia... Apenas me vem à memória o facto de querer viajar no Creoula (há 9 ou 10 anos) e ele achar uma ideia altamente reprovadora. Depois de chegar e de ter sido indicada por várias pessoas como uma boa "instruenda" e ele esboçou aquele sorrisinho de derrota misturada com vitória... Típico.

Ao fim de um ano, cujo ano foi de completa provação para mim, devo dizer que descanso. Acredito piamente que um homem como ele está em bom lugar... Só pode!
Acredito que a família deve existir. Em silêncio, na retaguarda, nos abraços, nos beijos, seja como for. Sou a favor da família estruturada. Fez de mim a pessoa que sou hoje e da qual muito me orgulho em ser.
Sou pela independência, pela individualidade. Sou pelo espaço que cada um de nós deve ter para "trabalhar" a sua vida. Sou pela preocupação, não pela intriga e pela necessidade de se meterem uns na vida dos outros. Sou pelo AMOR. Na verdadeira acepção da palavra. O AMOR incondicional que existe sempre. Dia após dia. Mesmo quando erramos.

E isso, meus amigos, aprendi com os meus pais. Com o meu pai.

Comentários

minhoca disse…
que lindo mariana!! :)
são este tipo de leituras que nos fazem apreciar o que ainda temos e podemos perder num ápice... obrigada!!

mtos beijinhos
Unknown disse…
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
MariMari disse…
Joanita, nada nos pertence... Beijinhos
Rodrigo, foste um privilegiado por teres privado com ele. Também olhará por ti, certamente. Bj
Anónimo disse…
Linda,
que bem escrito!
nada mais a acrescentar...
bjinho
Daniela Martinho Santos

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