E lá se conta outro

É engraçado que me lembro nitidamente de ter escrito, pela mesma ocasião, em 2009 e 2010. Já lá vão. Parece que foi ontem. E não o digo por ter que dizer ou porque parece bem uma pessoa fingir que o tempo não passa. A verdade é que por vezes, e dá-me ideia de que à medida que vamos envelhecendo esta consciência é assustadora, sentimos que o tempo passou por nós como uma corrente de ar. Como se não tivéssemos sequer a oportunidade de controlar as intensidades, as durações, as pessoas com quem partilhámos cada minuto de cada dia.

Feitas as contas, gastamos muito tempo a dormir. Eu cá não abdico das minhas 7 a 8 horas de sono profundo diárias. Já tentei ser mais poupada e aproveitar o tempo para outras coisas mas a minha cabeça e o meu corpo ainda me pede descanso. As minhas preocupações ainda não são as suficientes para me tirar o sono. Deve ser porque ainda não tenho filhos para alimentar nem para vestir. Nem gente para gerir. Ainda assim, quando o despertador toca com aquela folga magnífica da ronha, afundo nas minhas listas intermináveis de "coisas a fazer". No dia, na vida. Telefonemas a fazer, pessoas que desejaria rever, bandas que gostaria de ver, projectos de vou idealizando mas, sobretudo, faço as listas do que tenho que fazer no trabalho. E escapa-me sempre qualquer coisa... Não há muito tempo acreditava piamente na minha memória. Apenas na minha memória. Agora, ando carregada com notas e uma agenda cheia de papéis e, ainda assim, algo me vai escapando.

Feitas as contas, gastamos tempo a planear coisas que não acontecem. A contar com pessoas que não aparecem. A passar para segundo plano quem mereceria estar em primeiro e vice-versa. A medir a cintura e a ver se as calças continuam a servir(a medida de choque, nos últimos anos, tem sido uma sweatshirt do Pai Natal que visto pelo Natal, obviamente).

Feitas as contas, queixo-me de cansaço, de falta de tempo para mim e para os amigos, mas a verdade é que tenho trabalho enquanto muitos desejariam ter e não têm. Estive sentada, no dia de consoada e dia de Natal, numa mesa farta enquanto há tanta gente que não tem o que comer.

Feitas as contas, há gente que luta pela vida TODOS os dias. Para continuar a fazer a diferença na vida de quem, aparentemente, tem uns dias a mais nas contas finais.

Feitas as contas, o que somos nós senão a diferença que fazemos na vida dos outros?! O que somos nós senão, aquilo que nos mantém a todos vivos, o amor? Pelo próximo?

Pó...
Insignificantes.

E eu quero continuar a contar muitos anos. Ainda que deprimida, zangada (muitas vezes), despassarada, distante, sozinha e acompanhada. Quero continuar a contar muitos. Como este que passou. Que me ensinou muita coisa, que me trouxe certeza no meio da dúvida. Que me permitiu assistir pela primeira vez a um concerto da Tori Amos, que me ofereceu a entrada VIP para o coração de muitos.
Por estas razões e mais algumas, quero continuar a contar muitos anos. Piores ou melhores, tanto me dá. Lá se vão contando. A cantar músicas destas logo pela manhã.



"Well, music, good friends, I'm not dying today.
I may be six feet under, full of wonder
But I'm not dying today, not today."
(Tori Amos - Not dying today)

Comentários

RM disse…
IM + PECÁVEL

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