Identidade

Há muita coisa que nos identifica. Séries de televisão, actores, cineastas, músicos, escritores, marcas de roupa ou até cores. Tudo existe para nos catalogar, classificar. As pessoas com quem nos relacionamos também servem para nos caracterizar e/ ou definir. Desde cedo aprendemos a verdade escondida na velha expressão "diz-me com quem andas dir-te-ei quem és."
O tempo não me mudou. Nem ele nem as pancadas da vida. Não me roubou as pessoas importantes, as de sempre, e, ao invés, trouxe-me pessoas novas, cheias de ar nunca antes respirado. Sempre permiti que estas pessoas me ajudassem a definir a pessoa que sou. Algumas aproveitaram-se desse estatuto que, abertamente, lhes cedi e abusaram da definição. Tornou-se manipulação bem como, nuns casos, comensalismo a roçar o parasitismo, por vezes. Nem que fosse emocional. Comeram-me viva... Calma! Não sou tão ingénua a pontos de viver com este tipo de desrespeito durante muito tempo... Aceito-o o tempo suficiente para se evidenciar permanente e não passageiro. Aceito-o o tempo suficiente para se provar que foram gastas todas as vidas a que se tem direito numa relação incondicional. Numa amizade que só assim sei que deva existir: de forma incondicional.
As amizades de sempre, não é o tempo que as corrói. Nem a família, nem as dores, nem os filhos e nem os cadilhos. É a mágoa da consciência que não há nada que nos ligue ao outro. Nada. Nem mesmo o silêncio. Nada daquilo que tu possas fazer, na tua vida tão interessante, vale a pena para o outro. Existe, mesmo, aquele momento em que damos por nós a ser politicamente correctos, diplomatas de uma embaixada desconhecida, defensores daquilo que sempre existiu, do permanente, do imutável. Damos por nós a tentar encontrar algo que nos ligue ao outro. Uma série, uma música, uma anedota, um segredo... Nada. Existe o vazio. Penso: "talvez toda a vida tenha sido assim. Uma mentira para ambos que, em consciência, fomos aceitando e, em simultâneo, permitindo a degradação. "
As amizades de sempre, aquelas que têm força própria, que são autónomas e auto-suficientes, comunicam através do acaso. Da música que ouvem e que faz lembrar, naquele dia tão específico, da cor que tem o céu na manhã cinzenta de Outono. Estas amizades vivem do silêncio da rotina. Vivem da falta de ruído que faz a nossa cabeça e a nossa vida, na forma mais material. Estas amizades existem e perduram no tempo pois não encontram nenhuma outra razão para o não fazer. Porque a vida apenas faz sentido desta forma: a existir desta forma. Mesmo à distância, ou no mesmo bairro, estas amizades permanecem no tempo pois o tempo sabe que não é factor limitativo. É enriquecedor. É pedagógico.
Esta semana dei por mim a recordar um amigo. A lamentar a sua ausência. Um amigo que sabe a falta que me faz. Um amigo que era o meu porto de abrigo, que sempre me deu colo mesmo quando eu nunca percebi porque o dava. Talvez só tenha percebido a importância na minha vida quando se ausentou (típico!). A vida afastou-nos desde há algum tempo. Com ele por seu cúmplice. A permitir que o redefinissem. Criaram-lhe uma nova identidade!
Sei, no entanto, que quando o reencontrar será tudo como sempre. Encontra-lo-ei, hei-de sorrir, hei-de chorar, hei-de falar de coisas banais (porque afinal de contas, tudo é banal nos entretantos!) e hei-de abraçá-lo.
Hei-de sentir: "ei, regressei a casa."

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