Sul

Ser adulto significa saber viver com as nossas opções. Com as nossas escolhas. Com tudo o que, nalgum ponto da nossa vida, chegou a fazer sentido. Viver, até, com a escolha do silêncio em detrimento de todo o ruído que nos possa confundir a mente. O silêncio dilacerante que reside nas pequenas coisas. No som que as pequenas coisas fazem no meio de um silêncio imenso que nos afoga de incertezas e de mágoas seculares que teimam em permanecer abertas na esperança de, naturalmente, um dia vir a sarar.

Desta vez, escolhi o Sul. Contra todos os marcos geodésicos que, um dia, me indicaram que o meu lugar não seria por lá, escolhi o Sul. Após tantos anos sofridos e vividos a recalcar tudo o que me incomoda, que me envergonha, que me destrói, que me causa saudade, escolhi o Sul. Escolhi o Sul. Num estado passivo de quem aceita aquilo que fará bem, que curará.

O tempo e o espaço, aqui, têm outra dimensão. Outra definição. Tudo é, aparentemente, perto, já ali. Um dia é apenas um dia. Amanhã já há outro. Com a mesma cor, com as mesmas horas. Tudo o que não acontecer hoje, há-de acontecer amanhã. Tranquilamente. Sem pressas. “Porque amanhã também é dia.”

O meu olhar perde-se por entre os montes povoados por fardos (rolos) de feno, convidativos à minha meninice. Sorrio ao ver fardos. Fardos e animais a pastorear. Livres. Cientes de que hoje é um dia. Amanhã será outro. Os sobreiros testemunham todos estes olhares suplicantes. Aliás, apenas eles os conseguem distinguir.

Aqui e acolá vêem-se casas. Com quintais cuidados. Com tudo aquilo de que se precisa. Afinal, precisamos de tão pouco!

Reencontro o mar. Naturalmente, o mar. Aquele que me purga, que me lava, que me cura! Conversamos, naturalmente. Escuto o que tem para me dizer (tem sempre tanto para me dizer nos primeiros dias que acabamos por ficar em silêncio!). Dentro de mim ouço bossa nova de uma forma repetitiva. Dentro de mim há sempre música. Dentro de mim ouve-se “quero a vida sempre assim.” Em silêncio, entrego-lhe a minha vida. Os medos e os anseios. A ele e ao Sol!

De pé enterrado na areia, sinto que tudo poderia ser diferente. Pode sempre, certo?! De pé enterrado na areia, sinto-me desnorteada. Estou no Sul!

Fico sozinha. Imploro pela solidão. Porque ela não me consome. Ela alimenta-me. Ela ajuda-me a aceitar quem sou e o que quero para mim. Aqui, no Sul, fico sozinha. Com o Sol, com o Mar, com os sobreiros e os fardos, fico sozinha.

De pé enterrado na areia, de braços bem abertos, aceito: depois do Sul, a mudança é imperativa.
Escolhi o Sul. Aceitei aquilo que me quis sussurrar ao ouvido. Aceitei que ele me relembrasse quem sou, o que quis em tempos para mim, aceitei que me fizesse recordar todos os motivos que me fazem sorrir e sorrir os outros.


Escolhi o Sul, quando sempre remei para Norte. Escolhi o Sul nos seus silêncios, nos seus segredos, na sua quietude. Escolhi o Sul para que me devolvesse tudo quanto me tirou nestes últimos tempos. Escolhi o Sul para, em fim, fazermos as pazes. 
Mas, por fim, não fui eu que escolhi. Foi o Sul que me escolheu a mim! 

Comentários

PM disse…
Muito bom... Aliás tão delicioso como aquele espaço que liga a cabeça ao corpo !!

Mensagens populares