Rituais

Habituei-me a viver entre rituais. Por dentro de rituais. Com rituais.
Tinha um Pai que leu a mesma revista durante anos, marcava as ferramentas dele com as suas iniciais, escrevia numa agenda religiosamente todos os dias, fazia questão de andar de bicicleta e nadar mesmo contra as indicações médicas, rezava o terço diariamente antes do jantar, levava a comunhão aos doentes e visitava amigos e familiares.
Eu cresci entre rituais. Entre dias e horas marcadas para tudo. Cada coisa tinha o seu lugar, o seu significado, o seu lugar. E um dia não era o mesmo sem esse ritual.
A roupa e os sapatos de ir para a escola eram diferentes daqueles com os quais andava ao dia de Domingo e na minha casa nada se perdia: tudo se transformava. Nem mesmo o tempo...
Sentia-se exactamente uma estação a chegar ou a partir. Pois só aquela altura do ano trazia determinado cheiro, função, tarefa ou roubava horas de sol. E dava tempo de recolha, de leitura.

Hoje, na minha actividade profissional, observo e absorvo muita informação do mundo que julgo conhecer.
Concluo que nos faz falta "compartimentar" as horas do dia, as necessidades, as prioridades.
Concluo que há muita gente, de uma forma empírica, a atingir resultados de cariz científico. E que tudo o que julgamos conhecer e dominar fundamentado por estudos, análises, não passa de uma grande armadilha.
Até na simples e, simultaneamente, complexa obstinação em consumir determinados produtos o ano todo, sabendo à partida que a nossa memória sensorial fica completamente baralhada...
Já nada é igual.
Não sabemos esperar.
O Verão não acaba sem chegar o Outono.
O Mundo ensinou-nos a viver sob a máxima "carpe diem", a aceitar que a mudança é constante e permanente e que a realidade que conhecemos hoje será bem diferente da de amanhã.
A Humanidade quer imprimir a pressa na Vida, de tal ordem, que se quer viver uma vida num dia. Porque se deixou de acreditar que "amanhã também é dia."
Já nada é igual, já não se sabe esperar.
Já não há rituais.

Contudo, ainda há quem semeie e plante.
Crente que a chuva virá.
E o sol.
E o Homem, na sua plenitude.

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