Pare, Escute e Olhe


Ontem fui ver o "Pare, Escute e Olhe" numa sessão do "Cinema sem pipocas" do Teatro de Vila Real. É absurdamente real. Parece que até sinto o cheiro dos lugares por onde passou a câmara...
Na verdade, muitos daqueles locais já me pertenceram ou continuam a pertencer pelo menos uma vez por mês. É impossível ficar indiferente a esta realidade. À crua realidade com que me deparo todos os dias ao mergulhar neste Trás-os-Montes profundo. O Trás-os-Montes dos últimos resistentes ou dos curiosos ou até dos apaixonados.
Temos um interior desertificado? Sim, é um facto. Não justifica os investimentos de um país? Não, não é um facto. Com que moral vêm estes senhores das grandes cidades opinar sobre as necessidades de um interior? Eu, que "migrei" no sentido inverso (Litoral - Interior), devo dizer-vos que esses senhores não têm noção de como se dá o fluxo de comunicação como serviços e até informação, do tempo que demora a alcançar o nosso "destino". A velocidade com que nos deslocamos do ponto A ao ponto B. Ouvir estes senhores falar de cimento e alcatrão em zonas que a orografia é extremamente ordinária de nascença, não há cura para este mal, é como estar a vê-los passar um atestado de burrice ao povo que agora é obrigado a mover-se por transportes rodoviários. A vomitar tripas, a "rezar ao Senhor" para chegarem direitos e a pagar 20 euros (quando o fazem de táxi) para se deslocarem à cidade, aos serviços.
É triste. Provavelmente não encontro outra forma de classificar esta forma de estar e de pensar. Quando grande parte dos senhores donos das decisões, como comentávamos entre amigos à saída do filme, é descendente do meio rural. As pessoas esquecem-se facilmente de onde vêm. As suas raízes parece que foram arrancadas como se de uma erva daninha se tratasse.
Sim, nós os interiores que parece que nos querem rotular de interinos, somos o parente pobre. Somos uma verdadeira pedra no sapato daqueles que querem governar. Somos o roto de com quem se tem vergonha de posar para uma fotografia.
Terrível esta associação rápida e estreita entre Desenvolvimento/Progresso e Acessibilidades no que toca ao Tua. Sou a favor do desenvolvimento e do progresso. Mas sou ainda mais a favor da preservação do que é nosso, do que é único e do que nos torna especiais no meio de tantos outros. Aquando das derrocadas e as inundações na Ilha da Madeira, o Dr. Alberto João Jardim teve "uma saída" digna de si mesmo: curto, duro mas não grosso. "Não podemos andar à porrada com a Natureza". E o que é a questão da barragem do Tua senão um andar à porrada com a Natureza? Desenvolvimento, Progresso?!
As produções agrícolas daquela zona vão ficar afectadas. Quer queiram quer não. A vinha e a oliveira não são grandes adeptas de humidades relativas elevadas. Um dos intervenientes no documentário esteve presente na exibição e partilhou contactos. Já há quem se mexa há muito. Quem sentiu, desde cedo, o que viria aí... Quem estiver interessado pode visitar a página da COAGRET-Portugal e ver o que se vai fazendo pelas populações ribeirinhas.
Em suma, vejam o documentário. Assinem a petição cujo link está na página oficial do documentário (hiperligação no título do filme).
Gostaria de contribuir para o nosso equilíbrio. Entre o que precisamos e o que queremos.

Comentários

minhoca disse…
eh pah mariana... tudo bem tens razão em muita coisa... mas quando a regionalização foi a votos, se calhar quem mais sofre com essa centralização do poder foi quem votou contra!!
e o alberto joão jardim o que faz na madeira se não "andar à porrada com a natureza"?? a construir em falesias e em cima de linhas de água?? tudo em nome do progresso...
claro que acho que as linhas de comboio n deviam ter sido desactivadas... pelo contrario! as vias de comunicação são sinal de progresso, quando feitas com consciencia! e tambem sei bem como isso é aí por cima... desde miuda que vou para bragança e antes demoravamos um dia todo a lá chegar... agora demoramos 5 horas. é claro que n basta termos autoestradas, que é o que mais gostam de fazer, o nosso país deve ser dos mais automobilizados da europa!
tenho de ver o documentario! fiquei com curiosidade :)

beijinhos
MariMari disse…
Joanita,
Já sabes que adoro pôr-me em 1h30m em Aveiro... Bendita auto-estrada! É essencial. Mas não podemos criar vias de acesso rodoviário em todo o canto e esquina para as pessoas se deslocarem. Quando a grande percentagem nem carro tem ou não pode conduzir.
Manter uma linha para meia dúzia de gatos pingados? Sim. Para esses e os que hão-de vir. Porque aquilo que irá ser destruído é muito mais que uma linha férrea. Tudo aquilo que se pode fazer por aquela zona, não tem limite. O potencial é gigante. Dependemos tanto do turismo e depois Portugal, vai-se a ver, e é só Litoral e Algarve. Há cada vez mais gente interessada no turismo em meio rural. Mas é necessário trabalhar e criar estruturas coesas, que são completamente inexistentes.
Quanto à regionalização, estaríamos sempre sujeitos às migalhas que sobrariam dos regiões de maior densidade populacional. Não sei em que moldes a nossa regionalização iria assentar, mas acredito que se iria basear essencialmente no número de habitantes de determinada região. O documentário aborda a questão política. E o porquê deste tipo de decisões, erradamente, ser inteiramente do interesse político. Cores partidárias. Parece que cai o mundo se um deputado de direita achar que um de esquerda está a ter razão e vice versa.
Quanto ao Alberto João, não precisas de ir à Madeira para ver essas parvoeiras de construção. Certamente em todos os Municípios do país encontras retratos nada agradáveis de se ver. No entanto, a expressão dele marcou-me no sentido em que tu levas um murro e queres responder?! Contra a natureza? Perdes, certamente. O melhor é mesmo levantar, curar feridas e aprender de forma a não repetir o erro no futuro.
Vai ver o documentário, sim.
Vais gostar.
Embora sejas uma citadina, tens costela Transmontana ;)
Beijinhos
.::ShNuTy::. disse…
Olá Mariana, vejo muito sentimento neste teu post que alerta e muito bem para o grave problema com que se debate o interior deste país, a falta de sensibilidade dos que governam. No entanto terei de ver o documentário pois não sou conhecedor do trás-os-montes profundo a que te referes e não sei muito bem o que neste caso está em risco.
Direi algo bvrevemente. ;) bj
Dylan disse…
Um documentário que serve como um grito de indignação perante as assimetrias regionais.
Rui Pedro Maia disse…
Gostei muito do blog, vamos todos divulgar a petição, ainda faltam muitas vozes...
Bem hajam os apoiantes!
Rui Maia

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