Desconforto


Calo-me e, quando falo, as palavras saem como vómito. Têm pressa em sair. Cá dentro, morrem aos poucos no silêncio que nos consome. Cá dentro, ecoam no vazio e provocam desconforto.

Canto para calar as palavras, canto para ressoar em mim a felicidade que sempre aqui residiu. Canto por ser eu. Canto por ser meu este canto que tanto reprimi, tanto esqueci, tanto escondi.

Lidar com raízes, com cordas e laços que nos prendem. Uns aos outros, a nós e às “coisas nossas”. Encarar a mudança com medo, prender as asas às costas e evitar que elas batam. Aceitar, um dia, a mudança e reparar que ela nos traz felicidade. E medo, e desilusão. Desconforto.

Perder jogos sem sequer perceber que se estava a jogar. Sem perceber o que estava a jogo, sem perceber quem estava em jogo. Perder não por falta de comparência mas por falta de atenção. Pouca manha e pouca lábia. Pouca sabedoria da selvajaria humana. Muito amor-próprio.

Fitar o conhecido no ponto “você está aqui”. Olhar o mapa e desconhecer o mundo. Gestos imperceptíveis, tratados de empréstimos e doações de vida. Entrega completa a uma função, a uma causa, a um trabalho, para viver. Para se poder viver. Para se tentar viver, aqui.

Pensar no amanhã. Planear o amanhã. Planear a semana e o mês e os meses que virão a seguir. Perceber que dificilmente farás o que te faz feliz, a não ser que te obrigues. Planear para não faltar o essencial. Começar a tratar o instante por “você”. Desconforto.

Caio. Apenas mais uma de tantas vezes. Levanto-me e endireito-me. Olho em volta e as mesmas pessoas de sempre. Na vista e no coração.

Surge um lamento, um murmúrio. Uma catadupa de interrogações. A incerteza do nosso erro, se algum dia existiu. A incerteza do epicentro do problema. A certeza que, com esta incerteza, voltará a acontecer. E as palavras surgem na cabeça, como pequenos martelos. O desconforto.

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