Desgoverno

O que supostamente seria um concerto como outros tantos assistidos e vividos este ano, tornou-se numa pouca vergonha indescritível, minuto após minuto, durante o concerto dos Tindersticks no Coliseu do Porto.

Chegámos em cima da hora (21h) ao Coliseu. Já se encontrava o quarteto "Danças Ocultas" em palco e rapidamente nos dirigimos ao nosso lugar. Durante os 30 minutos (aproximadamente) da actuação destes foi-se assistindo à chegada dos espectadores. Com algum ruído procuravam o seu assento. Até aqui, nada de novo. Seguiu-se um intervalo, ou seja, os Tindersticks entraram em palco às 22h. Durante o intervalo olhei em volta para o público e fiz uma apreciação: “é só «betinhos». Parece-me estar cá a nata da sociedade.”

Rapidamente me arrependi da afirmação. Acho que nem nos festivais de Verão assisti a tamanho escarcel durante um concerto... Credo!!! Estava tudo muito preocupado em gritar e chamar a atenção do Stuart Staples, com interjeições estapafúrdias. O senhor nem conseguia acabar as músicas. Pareceu-me tudo exagerado. Sem nexo, portanto. Ao nosso lado, a 2 lugares ao lado, estava o “trio maravilha”. Nem um “aviso de incómodo generalizado” lhes serviu para alterar o comportamento. Indescritível.

A porcaria dos telemóveis em punho com os sons do diafragma da máquina fotográfica “crrrch” durante momentos belíssimos de silêncio e pouco volume das músicas (sim, porque o silêncio também faz parte da música). Gente a entrar e a sair das galerias, gente a fazer barulho ao levantar e sentar nas cadeiras… Gente deitada com os pés apoiados nas cadeiras da fila da frente. Indescritível.

Ontem senti na pele o que é ser “cão de parar”. A minha cabeça parecia que ia sair de órbita. Tentava por tudo concentrar-me apenas no espectáculo mas foi-me impossível. Ouvia barulho à direita, ouvia atrás, ouvia à esquerda, à minha frente… Foi incrivelmente mau para quem pagou bilhete para assistir a um espectáculo e, por momentos, tentar abstrair-se da rotina e do degredo diário que todos vivemos.

A certa altura a minha amiga diz-me que vai escrever no livro de reclamações. Ao qual eu respondi: “Como é que vais reclamar contra a falta de civismo e educação das pessoas?” Mais tarde arrependi-me de a ter demovido. É necessário que estas coisas se saibam e que, de certa forma, se tente melhorar o nosso comportamento como cidadãos que partilham e coabitam na mesma sociedade.

Quis partilhar convosco este acontecimento porque fiquei com a sensação que tudo estava mal à nossa volta. Não fazia sentido o que estava a acontecer. Pareceu-me ver toda a gente desgovernada. É isso mesmo. Desgovernado. Sem qualquer tipo de controlo, sem padrões, sem comandos universais. Desgovernado. Tudo tonto das ideias.

Aposto que hoje estão no Youtube imensos vídeos do concerto de ontem. Aposto que existem imensas fotos no Facebook. Mas, num país como o nosso que luta contra o analfabetismo e a infoexclusão, o que dizer?! Se é mais importante dar uso ao Blackberry que às memórias que transportamos diariamente, e que nos fazem seres únicos e irrepetíveis?! Não somos catalogados em Megapixeis, embora ontem apetecia-me catalogar uns quantos em “Megaestupidez”.

Em tempos de crise, tempos nos quais se contam os cêntimos e se aproveita ao máximo os recursos disponíveis, há gente que ainda continua a brincar com a vida dos outros. Com o dinheiro dos outros. Que falta ao respeito para com os outros.

Ontem aprendi a não julgar públicos pela roupa que trazem vestida ou pelo corte de cabelo e até pelo estatuto que aparentam possuir. Aprendi que a cultura está e estará sempre reservada a quem a merece. Não a quem a paga. Porque fica-me a certeza de que por mais letrados, ricos e “bem parecidos” que sejamos, a nossa maior herança e riqueza é o que levamos cá dentro.

O nosso “governo”.

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