Doenças de mulher

Ao longo do meu crescimento fui ouvindo a expressão "doenças de mulher" que só agora começa a fazer sentido na minha cabeça. Sempre achei um termo tão pudico sem nunca ter entendido o porquê de se falar em doenças (plural) generalizando e dando a ideia de que são todas a mesma coisa. Não são todas a mesma coisa. Nem todas matam. Mas moem.

Hoje, num dos episódios de consulta, tive a companhia de uma senhora. Queria falar. Estava entalada, nitidamente.
Tinha 60 anos, filhos mais velhos que eu, já não tinha útero nem ovários e estava muito nervosa: vinha saber o resultado de uma biópsia. 
(Sabem, naqueles corredores não se vêm homens. Só quando acompanham grávidas a outros gabinetes.)
Perguntei-lhe se tinha vindo sozinha... Disse-me que o marido tinha ficado lá fora, à espera. Não lhe perguntei se teria sido ela a não querer que ele subisse ou se teria sido ele que se sentia desconfortável naquele sítio e não a quisesse acompanhar, pois as duas opções são válidas. E perfeitamente compreensíveis.
A senhora contou que já não tinha muita vontade de continuar a lutar contra estas doenças das mulheres. (Que herdamos. De uma maneira ou de outra, herdamos.) Cansada de tratamentos, intervenções, trocas de médicos e de cumplicidade, conversas francas e honestas com o marido que, na medida do seu entendimento, colaborou em todo o processo... cansada. Virei o rumo à conversa: quando se espera o resultado de uma biópsia neste sítio, vê-se a vida toda passar à frente. E estamos sozinhas. Grande parte das vezes, por opção.
Falámos de trivialidades. Era bonita, bem apresentada, sabia rir. Sorriso rasgado.

Esta mulher era cada uma de nós.
Aos 60 anos, com medo! Muito medo.
Medo que lhe retirassem mais um bocadinho da sua existência.
Tinha o marido à espera. Embora entendesse pouco do que consome a mulher, esperava por ela e levava-a a casa. Sem fazer muitas perguntas. Mas fazia questão de a acompanhar, dizia.

Achei isto maravilhoso.
É-nos muito difícil digerir os problemas que temos e que nos abanam os alicerces enquanto mulheres. 
Seja uma queda de cabelo acentuada, uma depressão profunda, uma doença de pele, um cancro, alopecia, um problema hormonal...
Nós não precisamos, efectivamente, de quem nos diga "vai ficar tudo bem". Porque nós somos mulheres, caramba. Nós entendemos as coisas... Compreendemos as probabilidades.
Nós sabemos que estas doenças das mulheres matam mais a alma que o corpo.

Só precisamos que os homens da nossa vida não fujam, não nos desamparem!
Que acreditem mais que nós. Em nós!
Precisamos que nos façam crer que os silêncios deles são as certezas que precisamos: a da existência!

É um cliché. 
Mas é a verdade: podia ser cada uma de nós.
Devemos ser cautelosas, vigilantes, zelosas. Muito pouco, ou nada, podemos fazer mas isso está ao nosso alcance: vigiar.
Além disso, podemos chamar os homens mais um bocadinho para as "doenças das mulheres." Para que eles entendam as alterações físicas, emocionais... Por outro lado, quereremos nós que eles as entendam? Afinal de contas, são homens... Servirão para nos acompanhar o resto da vida, se assim o quiserem, mas para partilhar estes problemas já não nos agradará tanto... Temos este bloqueio. O qual agradecem!

Não sei o resultado da senhora.
Tenho pra mim que está tudo bem com ela.
Ela trazia o Sol de Verão.
Está tudo bem, certamente. 
Quem traz tanta luz só pode estar bem :)


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